“Saudade”. Sem dúvida uma das mais
belas palavras de nossa língua. Uma das únicas que não podem ser
traduzidas para nenhum outro idioma. Apesar disso, este sentimento é
comum a todos os povos e culturas. Temos saudade do que passou, de
pessoas que se foram, de experiências que vivemos, e até daquilo que
fomos um dia.
Mas, sem embargo, a pior das saudades é a saudade do futuro.Como é possível sentir saudade do que ainda não vivemos? Que sentimento é esse? Imaginemos uma mulher grávida, que subitamente aborta o filho. Mesmo sem
nunca tê-lo embalado em seu colo, nem tê-lo visto, o que ela sente é
saudade. Não é saudade da barriga preponderante, mas de um futuro que
jamais se concretizará. Saudade de toda expectativa investida. Saudade
de um choro de criança que ela jamais ouvirá.
É uma sensação estranha, porém, real. Cada momento que vivemos está
grávido do futuro. O futuro é fruto do casamento entre a eternidade e o
agora.Às vezes temos a sensação de que o futuro foi abortado. É esta sensação
que produz em nós um tipo de nostalgia. Era disso que Carlos Drummond de
Andrade falava em seu poema: “Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante.” E ninguém em minha geração externou isso de maneira tão poética do que Renato Russo. Em uma de suas canções, ele confessa: "Tenho saudades de tudo que ainda não vi."
O sábio Salomão diz que Deus “pôs a eternidade no coração dos homens”
(Ec.3:11). Em outras palavras, Deus fecundou nossa alma com a semente
da eternidade. Nosso corpo está sujeito ao tempo, mas nossa alma nos
conecta diretamente à eternidade. E é por isso que Paulo declarou: “Por isso não desfalecemos. Ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia” (2 Co.4:16).
Se a fé nos conecta à eternidade, a esperança nos conecta ao futuro.
Há situações que enfrentamos em nosso dia a dia que parecem destruir
nossa esperança. Aos poucos, a esperança vai cedendo lugar ao desespero.
E quando isso acontece, não é apenas o corpo que se consome, mas também
o homem interior. Jó experimentou isso na pele e na alma:
“O meu espírito vai-se consumindo, os meus dias vão-se apagando, e só tenho perante mim a sepultura”. Jó 17:1
Isso me lembra uma cena do filme “De volta para o futuro”, em que o
protagonista volta ao passado, e percebe que uma foto que ele trouxera
do futuro está se apagando, pelo fato de seu passado estar sendo
alterado, e seu futuro comprometido. Não há como retornar ao passado para alterar o presente ou o futuro. Mas podemos viver o presente comprometidos com o futuro.
Quando vivemos sem qualquer perspectiva, nosso espírito vai se
consumindo, quando a vontade de Deus é que ele se renove dia após dia. É
nosso homem exterior que se corrompe com o tempo. Nosso espírito tem
que ser constantemente renovado. A esperança é a fonte da juventude,
onde nosso espírito deve mergulhar para manter-se sempre jovem e
disposto. Se nosso espírito for consumido pela falta de perspectiva,
nossos dias desbotarão, e a vida perderá sua cor. Então, só nos restará
uma possibilidade: a sepultura.Nossos dias se apagam, quando nosso futuro se desvanece. Quando já não temos expectativas, nem esperança. Era assim que Jó se sentia.
“ Os meus dias passaram, malograram-se os meus propósitos, e as aspirações do meu coração (...). Se a única casa pela qual espero for a sepultura, se nas trevas estender a minha cama, se à corrupção clamar: Tu és meu pai; e aos vermes: Vós sois minha mãe e minha irmã, onde estará então a minha esperança? Sim, a minha esperança, quem a poderá ver?” Jó 17:11,13-15
Lembremo-nos que a fé que nos conecta à eternidade. Mas é a esperança
que nos impulsiona para o futuro. Quando a esperança se esvai, temos que
recorrer à fé. Paulo diz que não devemos atentar “nas coisas que se
vêem, mas nas que não se vêem. Pois as que se vêem são temporais, e as
que não se vêem são eternas (...). Andamos por fé, e não por vista”
(2 Co. 4:18; 5:7). O futuro não pode ser abortado, mas a esperança sim.
E se ela tem sido sabotada pelas circunstâncias adversas, somente a fé
poderá restaurá-la.
Foi o que aconteceu a Abraão, que “em esperança, creu contra a
esperança, que seria feito pai de muitas nações (...). E não enfraqueceu
na fé, nem atentou para o seu próprio corpo amortecido”
(Rm.4:18a,19a). Soa estranho para nós alguém crer contra a esperança.
Mas o fato é que a fé deve ter primazia sobre a esperança. Ela nos faz
acessar a eternidade, onde o futuro já é presente, um presente que ainda
não foi desembrulhado.
Na definição do autor sagrado, “a fé é a certeza das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem” (Hb.11:1). Nossa fé deve estar voltada para Aquele que “chama a existência as coisas que não são, como se já fossem”
(Rm.4:17). O que ainda será na perspectiva do tempo, já o é na
eternidade. Crer contra a esperança, é, ao mesmo tempo, crer aliado à
esperança. É transcender o tempo e o espaço, e vislumbrar a eternidade.
Fonte e autoria: Hermes Fernades
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